Weber, desencantamento do mundo, formas de dominação e reflexão política

Estimated read time 14 min read

Texto com base na palestra Ciência como vocação de Max Weber.

Na concepção de Max Weber, crenças, ideias e valores eram os motivadores das transformações sociais. Os fatos sociais formam a maneira de agir das pessoas pela influência que exerce sobre elas, o autor acredita que as pessoas tinham liberdade para agir e mudar essa sua realidade, por meio da ação social. A qual divide em quatro tipos:

  • Ação social tradicional – baseada em costumes e hábitos;
  • Ação social afetiva – movida por sentimentos;
  • Ação social política ou racional com relação a valores – orientada pelo valor e pelos fins;
  • Ação social racional com relação a fins – em que existe escolhas melhores para um fim, escolha de modo racional.

Uma das grandes preocupações de Weber, era a respeito da racionalização que impactou Estado e governos, além da esfera cultural, social e individual das pessoas. Esse processo, foi chamado de desencantamento do mundo, refere-se ao desencantar religioso, em que a magia religiosa deixa de ser um processo de salvação e adota-se um processo de racionalização, o qual vai além da vida econômica, englobando também todo sistema sociocultural e educacional.

O artigo “Política como vocação” é resultado da palestra ministrada por Weber, em 1919, na Alemanha. Seus conceitos sociológicos estavam inseridos e relevantes a sua vivência da época.

Primeiramente, Weber conceitua o que é a política, dizendo que é algo muito vasto e de diversas esferas (bancos, comunidade, cultural, educacional), porém ressalta que a ideia da política está diretamente relacionada ao Estado. Além disso, compreende que a política necessita de liderança.

Para o autor, o Estado moderno, “só pode ser definido de modo específico”, os meios usados pelo Estado justificar seus fins e não os fins em si mesmos. Trazendo para nossa realidade, por exemplo, em uma situação específica, temos o pagamento anual do IPVA, valor que deve ser utilizado pelo Estado, para melhorar vias e estradas e em determinadas situações, pagamos pedágio para ter acesso a estradas concessionadas, porém compreende-se aqui uma bitributação. Em uma outra situação, o pagamento de um plano de saúde particular, utilizando-se de verba própria e de tributos pagos para o Estado, o quais são direcionados para o SUS (Sistema Único Saúde), em ambas as situações o Estado não se diferencia de uma empresa privada.

Para Weber, o que muda no Estado são os meios dos quais se utiliza e quais objetivos pretende atingir, para isso, parafraseando Trotsky, ressalta que: “Todo Estado é fundado violentamente”, porém a violência não é exclusiva do Estado e faz parte de outras instituições sociais, fato que elimina o Estado desse contexto e descreve como Anarquia (Caos).

Para tanto, compreende-se que o Estado já vivenciou diferentes formas de violência e que nas circunstâncias atuais vive de modo mais humano, em que o autor denomina como “Monopólio da Violência Física Legítima”.

Para o cidadão, o Estado é a única instituição que pode fazer uso de força física, no sentido de manter a ordem e deve ser de uso exclusivo do Estado, justificando a ideia de monopólio. Trazendo para o contexto atual, compreende-se a ideia de que o sistema judiciário, polícia, exército tem o monopólio da violência, pois tem o poder para fazê-lo (autoridade) e para controlar a agressividade social. Contudo, em locais mais interiorizados em que o Estado não oferece as condições básicas e fundamentais de sobrevivência, em que o Estado “não chega”, tais como, favelas e locais em que o “poder” não está sobre as mãos do Estado, em que a legitimidade está nas mãos da população e à mercê das milícias e do tráfico, aplica-se aqui o poder coercitivo contra o cidadão, que por medo acaba obedecendo o traficante.

Na visão de Weber, existem três formas de exercício do poder: o coercitivo, o econômico e o ideológico. A relação de poder e dominação entre o Estado e sociedade, o cidadão não obedece a lei, somente se houver sanção. Nesse contexto, o autor entende que o cidadão obedece de modo voluntário e que nem sempre o Estado se baseia no poder de coerção, mas que existem outras formas do exercício do poder.

Para Weber a política está, intrinsicamente, relacionada ao sentimento de poder e prestígio. No Estado essa relação se dá pela dominação do “homem sobre o homem”, em que o autor indica três tipos fundamentais de dominação que mostra um certo tipo de “docilidade legítima”. São elas:

  • Tradicional – em que se legitima do costume e tradição;
  • Legalidade – baseada em competência e em regras criadas de modo racional;
  • Carismática – dons pessoais, carisma, não é transferível, exercida por profetas etc.

Compreende-se que os tipos de dominações não são individualizados, por exemplo, em uma dada empresa tem-se um indivíduo que é subordinado a um determinado superior, existe uma regra na empresa que estabelece essa hierarquia, nesse caso o superior é quem domina esse indivíduo, o qual obedece. Uma segunda situação seria desse superior já estar nesse cargo por mais de 20 anos, essa dominação pode ser considerada tradicional e uma terceira situação em que o tempo que esse superior está nessa posição se dá pelo fato dele ser uma pessoa carismática, as pessoas gostam de trabalhar com ele. Nesse caso, tem-se os três tipos de dominação a racional legal, tradicional e a carismática.

Trazendo para uma situação de liderança política brasileira atual é possível citar o ex-presidente Lula (Luis Inácio Lula da Silva) e o atual Presidente Jair Bolsonaro. Mesmo sendo preso, Lula, é visto como uma figura de liderança de prestígio, uma parte da população brasileira acredita em sua inocência e votariam nele, caso fosse, novamente, candidato à Presidência. Em contraposto, temos Jair Bolsonaro, que por meio da democracia, votação, de forma lícita se elegeu presidente, porém não é visto como uma liderança por parte da população. Nesses dois exemplos, temos uma dominação carismática e uma dominação racional legal.

Dentre os três tipos de dominação, as quais são denominas como puras ou ideais, Weber, ressalta a questão da obediência dos dominados por força física, esperança ou medo. O autor, usa o termo “políticos profissionais” para definir esses tipos de líderes dominantes. Sobretudo, para Weber a dominação carismática tem uma relação aprofundada com a vocação política. No Ocidente esse é o tipo de dominação mais desenvolvido, em que o autor cita como exemplo, o líder demagogo, aquele considerado com a arte e o poder de conduzir o povo e que se apresenta com a figura de um líder parlamentar.

O autor acredita que todas as pessoas são políticas “ocasionais”, seja quando votam, por meio de influência, de apoio ou protesto em um comício político ou até mesmo ao fazer um discurso político.

Para Weber, existem duas formas para o indivíduo fazer da política sua vocação, as quais são viver da política ou viver para política.  Existe nessa questão um contexto econômico envolvido, pois quem vive da política, constrói sua vida por meio dela, em que a política se torna sua fonte de recurso e a vê como profissão, tais quais, funcionários públicos e detentores de cargos comissionados. Quem vive para a política, não depende de nenhum cargo para viver, em geral, são pessoas que tem sua vida financeira definida e se dedicam a política por paixão, com o objetivo ou propósito, seriam os líderes políticos.

Todavia, essa ideia traz consigo uma problematização no cenário político atual, de forma simples é possível dizer pela perspectiva do autor que apenas pode viver para a política pessoas ricas e de posses, ou seja, as pessoas que são pobres ou de baixa renda não estão aptas, existe aqui uma exclusão de classe e uma visão preconceituosa, em que o político rico é honesto e o pobre corrupto, no que diz respeito ao cenário político atual brasileiro, vivenciamos casos em que muitos políticos abastados foram, literalmente, “pegos com dinheiro na cueca”, além de outros respondendo processo ou presos por investigações com desvio de dinheiro público em quantias milionárias, por exemplo, a “Operação Lava-Jato”, em contraposto, pessoas de baixa ou média renda que entraram na política e são honestas.

Um outro exemplo, é que mesmo sendo abastado financeiramente o político no Brasil, não pode fazer uso do recurso próprio da maneira que desejar, pois existem leis eleitorais que regulam o uso de recursos na campanha eleitoral em que o valor de investimento é limitado e depende do cargo e valor patrimonial do candidato, além de regras para doações de pessoas físicas e a proibição de valores por empresas privadas.

Para o autor, a distribuição de favores e cargos vinculados às pessoas que contribuíam com seus líderes políticos, era considerado natural e de certo modo justo, dada a relação de confiança envolvida. No breve histórico da evolução política levantada por Weber, mostra que para se exercer uma função política era necessário ter competência para tal. Assim como, os conselheiros dos príncipes, a exemplo da Roma antiga e posterior a ela. Com o surgimento do parlamento, tem-se as lutas pelo poder, como exemplo é possível citar Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra etc. Weber cita também o Boss, aqueles que não se fixam por uma política definida, no geral trata-se de um empresário político capitalista, o qual empenha-se em conseguir votos eleitorais em benefício próprio e por meio dele surgiram os moldes de obtenção de gratificações e comissões, o Boss é de suma importância para um partido político, pois ele é um dos principais responsáveis em obter renda de modo distinto e com alto grau de confiança. Atualmente, no Brasil e em alguns países a distribuição de favores de cargos é considerada crime.

Um fato importante para Weber, está na relação da política com o jornalismo, em que defende que o jornalismo convive com a política, mas não depende dela, pois a mídia tem um grande impacto para a sociedade. O jornalismo tem determinado poder, dada as notícias que divulga e pode influenciar positiva ou negativamente a população em relação a seus governantes. Em muitos países, devido, seu tipo de governo, o Estado tenta silenciar a mídia de diversas formas, principalmente em países com regime de ditadura autoritária. A realidade moderna, em que vivemos com a facilidade de acesso à informação por intermédio da tecnologia, muitos políticos, adotando uma postura direcionada ao seu eleitorado se utilizam das redes sociais para se comunicar e informá-los de suas ações.

Para Weber as relações de poder envolvidas são importantes, mas a questão ética também. Na visão do autor, o homem político tem “três qualidades preponderantes: paixão, sentimento de responsabilidade e acuidade visual” (WEBER, 1919, p.118). A paixão está relacionada a devoção, a vontade e ao propósito, a responsabilidade se dá pelo comprometimento, não se pode ignorar as consequências dos seus atos e a acuidade visual que está ligada ao agir ou não, da escolha de deixar as coisas acontecerem naturalmente, da sensatez. O autor, também fala da vaidade do político, a qual se torna um risco quando acredita que o sentimento é de paixão, mas na verdade é uma excitação momentânea, uma vaidade e faz com que o político se perca.

Nesse contexto Weber, enfatiza, que a política deve ser feita com a cabeça, mas também ser acompanhada da causa, da paixão e acompanhada da ética. Nesse ponto o autor contextualiza sobre dois tipos de ética: a da convicção e a da responsabilidade.

Para o autor, a ética da convicção é a ação que é motivada pelos sentimentos, por um ideal, não importa as consequências é baseada na crença que justifica seus fins. É tudo ou nada. Weber cita a parábola do jovem rico: “E ele se foi de coração triste, porque possuía muitos bens” (BIBLIA, Mateus, 19,22 apud WEBER, 1919, p. 124-125), a mensagem nesse trecho é indiscutível, pois de acordo com a ética de convicção, as pessoas agem como acreditam que é o correto e não importa o efeito que isso irá causar. Para o político essa exigência é absurda e não pode ser imposta a todos, além disso irá atribuir a irresponsabilidade do resultado negativo a vontade de Deus ou ao mundo entre outras, para Weber é uma “ética sem dignidade” e está voltada para a irracionalidade.

A ética da responsabilidade é compreendida por Weber como fundamental ao político, pois ele deve compreender as consequências dos seus atos e daqueles envolvidos a ação. O indivíduo que tem por base essa ética, tem noção do seu comprometimento com os outros, além das implicações das ações que podem acarretar. É responsável pelo que faz. A ética da responsabilidade está voltada para a racionalidade.

Em exemplo, os conceitos de ética adotados por Weber, aplicados em uma situação hipotética atual. No caso de um Candidato político que tem como proposta para se eleger a convicção da necessidade de reduzir determinadas taxas tributárias, baseada em suas crenças ou costumes. Após eleito, é informado sobre a insuficiência de recursos financeiros para atender serviços básicos de saúde do Estado. Dentro desse contexto, o político pode escolher por duas opções:

  • Da ética de responsabilidade em que aumenta ou mantém os valores das taxas tributárias, proporcionando os recursos necessários para atender as necessidades estatais.
  • Da ética da convicção em que reduz os impostos mesmo sabendo que vai faltar recursos financeiros para que o Estado cumpra suas obrigações.

Por fim, Weber, não recomenda como o político deve agir, seja pela a ética da convicção ou da ética da responsabilidade, porém ressalta que o político deve estar atento para distinguir os momentos de excitação e de paixão.

No meu ponto de vista, o tipo de político idealizado por Weber, em nossa realidade é um tanto quanto utópico. Vivemos um momento de instabilidade social, em que o perfil do político atual está associado ao perfil do seu partido, do coletivo e não apenas de um indivíduo, em consequência, por mais que, inicialmente, as intenções desse político fossem as ideais, durante o caminho é provável que ele se perca, seja por vaidade, “deslumbramento” pelo poder ou simplesmente por obediência.  Além disso, é possível citar à mulher na política, em que o sistema de cotas de modo algum funciona como deveria, os partidos usam as mulheres como “laranjas” e dão a elas verba reduzida para tentar legitimar sua participação, enquanto os “selecionados” fazem uso de uma verba efetiva para de fato se elegerem. Esse fato reflete, diretamente, na quantidade de mulheres que de fato fazem política, o modo como a política se desenrola no Brasil está muito distante do que o Weber acredita ser a política como vocação. Os políticos do “hoje”, estão muito mais interessados de viver da política, do que para a política.