Quando se fala da violência contra a mulher, há de se falar sobre a violação dos Direitos Humanos, pois além da desigualdade de gênero, viola-se o direito à vida, saúde e a própria integridade física.
Oriunda de muita luta e força, abarcada pelo movimento feminista, uma das maiores, se não a maior, revolução da modernidade, temos a Lei n 11.340 de 2006, decorrente do Art. 226 da Constituição Federal, vulgo Lei Maria da Penha, declarada para fornecer tratamento diferenciado às mulheres que se encontram em situações de violência doméstica e familiar, e acima de tudo da luta sobre a violência em que se baseia o gênero.
Superar a violência doméstica, é um dos maiores desafios de políticas públicas no Brasil, e no cenário pandêmico atual, esse tema, foi ainda, alvo de maior urgência e reflexão, sendo de suma importância uma revisão na lei, para garantia de sua real eficácia.
É importe ressaltar, que a Lei não defende apenas mulheres de baixa renda, mas de qualquer classe social, além de não existir diferença entre cor, profissão, contemplando todo o território nacional.
Na ótica de “quem ama não mata”, a sociedade passou a atender as pautas do grupo, e realizar mudanças nas legislações sobre o que versava o tema da violência doméstica, em que nasce uma Lei embasada em outras normas genéricas, a qual atendeu com mais especificidade a realidade, todavia quando se há punição no âmbito penal e o sistema “peca” em relação à vítima, acaba por torná-la obsoleta.
Traz-se presente a necessidade de medidas protetivas andando de “mãos dadas” com a defesa, a assistência jurídica, as medidas de prevenção, uma cultura de tolerância, de diversidade e acima de tudo, de respeito, coisas que tornaram-se cada vez mais banalizadas, num viés de “guerra de gêneros” e abuso midiático, que denegrem as lutas feministas e muitas vezes até a própria vítima.
Isto ficou ainda mais claro, durante os períodos de “quarentena” durante a pandemia de Coronavírus (Covid-19), em que as vítimas conviviam ainda mais tempo com seus agressores, se tornando, ainda mais, caladas.
Segundo, Souto (2020), feminicídios e homicídios dolosos contra mulher cresceram em 2020 em comparação com 2019. A intenção de matar aumentou de 1.834 para 1.861, cerca de 1,5% de acréscimo e as vítimas de feminicídio aumentaram de 636 para 648, cerca de 1,9% de acréscimo, os dados citados por Souto (2020), foram compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com bases enviadas pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social dos estados.
Ainda, os dados levantados apresentam que 1 crime de estupro foi registrado a cada 8 minutos em 2019, em torno de 66.123 boletins de ocorrência de estupro em grande parte das vítimas são do sexo feminino, em torno de 85,7% e desses casos 84,1% o criminoso era conhecido da vítima (pessoas da família ou de confiança).
A Lei Maria da Penha é considerada um grande avanço, não há como negar, porém, na prática as coisas decorrem de maneira distinta. Muitas vezes as vítimas não procuram coerção e sim assistência. Além de meios, para não sofrerem mais as lesões, tanto físicas quanto morais e psicológicas que sofrem, nem tudo pode ser resolvido com práticas penais.
Contudo, compreende-se que a fixação de penas graves para combater diferentes formas de violência contra a mulher não são eficientes no contexto de prevenção de novas atuações pela parte do agressor. Para Gonçalves (2016), o “ponto alto da Lei Maria da Penha, que são as medidas protetivas de urgência e as redes de acolhimento das vítimas, ainda possuem sérios problemas de implementação e de acesso”, em especial destaca a cidades do interior dos estados.
Com o termo já diz, a expansão está relacionada ao aumento e no caso do punitivismo, literalmente o “aumento da punição”. No Direito Penal o punitivismo, deixa de estar restrito ao regime carcerário, permitindo penas alternativas e objetivando reduzir o número de prisões.
Vê-se nesse contexto, uma flexibilidade ou desdobramento que vem aumentando a população carcerária na esfera nacional. Estima-se um aumento considerável dessa população para os próximos anos, possivelmente o dobro de seu tamanho atual.
No Brasil, o número de presos em 2019, chegou à marca de 773.151, no ranking do INFOPEN, aparece como o terceiro país, referente aos maiores números de pessoas encarceradas (ROSA, 2020).
Nessa concepção, fica claro que o poder e controle do sistema penal não reduz o número de encarceramentos, mesmo quando se vislumbra penas alternativas ou monitoramento por tornozeleira eletrônica, serviços à comunidade etc.
Um outro fato importante está relacionado a política de combate as drogas, uma ação para combate comparada a usada na ditadura militar ou em ações de guerra. O militarismo, por meio de ações do exército ou até mesmo em operações policiais por equipe treinada usando da violência ou até mesmo da tortura em favelas e complexos de classe baixa.
A segregação em torno desse conceito fica evidente perante a atitude policial, exemplo, no cinema nacional o “Filme Tropa de Elite”, retrata o cenário caótico entre traficantes de drogas e a polícia, além da ideia de uso da força, a polícia “a quem deve nos proteger”, usa métodos de tortura e ilícitos para obter as informações que necessitam.
Além disso, vê-se a questão de divisão social e econômica, a qual permite que para alguns (classe média e alta) que se mostre efetividade por parte da polícia, mas apenas para satisfazer a mídia e esse seleto grupo, trazendo uma falsa sensação de segurança e a contraposto, amedrontar outros, diante do autoritarismo velado perante os mais fracos.
A questão que paira sobre todo esse contexto é de que as penas substitutivas (tornozeleira eletrônica, serviço a comunidade, prisão domiciliar etc.), não reduzam ou solucionem a crise do sistema penal (redução da população carcerária), mas aumentam (expandem) o controle do Estado.
De modo coloquial o valor “simbólico” é a representação por meio de símbolos, porém algo que não tem a utilidade adequada. Pensando por esta lógica compreende-se que o Direito Penal apresenta algo no “papel”, mas na prática não se torna eficiente.
Vê-se no Direito Penal brasileiro, uma ideia amparada na mesma usada por países Europeus, como a Alemanha, em que tenta reproduzir uma ideia de penas mais severas, no entanto, existe um afrouxamento no monitoramento de tais ações.
Para tal, é possível citar a Lei Maria da Penha, conforme citado por Gonçalves (2016), sobre a defesa de penas severas e de encarceramento, que com o passar dos anos após a aprovação das leis tornaram-se menos efetivas e dando espaço a medidas alternativas, pois para que a violência contra a mulher seja cerceada deve haver incentivo de responsabilidade penal do agressor.
Ainda, na área criminal existem críticas opostas a tal teoria, as quais ressaltam que o Direito Penal não garante a segurança real e nem tão pouco simbólica para as vítimas da violência doméstica. Alguns pontos nesse conceito apontam que o fato da cultura machista e altos cargos do sistema penal serem do gênero masculino tornam as medidas protetivas frágeis.
Nesse contexto, vislumbra-se que a proteção que deveria ser prestada a esta vítima, em muitos casos é vista com descrença, cabendo a mulher provar que é uma “vítima apropriada”, para tal, será empregado ao seu agressor um “efeito simbólico”, pois considera-se imerecido e seletivo. Para Gonçalves (2016) apud Larrauri (1994), o direito penal define de modo adequado a conduta de estupro cometida por um estranho ao invés da cometida pelo marido.
A partir dos anos oitenta, o Direito Penal objetivava criminalizar mais condutas e elevar as penas, em prol das minorias, ou seja, os mais fracos, pessoas em situação vulnerável e os excluídos. Contudo, passa a vigorar leis de propriedade simbólica, que estão associados ao ato de legislar, o qual acontece de modo genérico.
O simbolismo em si está ligado a forma do Estado de criar uma intimidação, em que é possível citar o exercício legítimo do poder de Weber, usando o Direito Penal como um precedente a fim de resolver problemas da sociedade, o qual deixa de atuar como “ultima ratio” e passa a atuar como “prima ratio”.
Nesse contexto de viés social e do processo de seleção do sistema penal, a visão adotada por Marx em torno da Criminologia, aponta que do Estado dirige-se a classes dominadas e proletárias e que a classe de “sangue azul”, a burguesa não se condiciona à imposição de penas.
O Direito Penal é legítimo quando, se adequa ao caso concreto, cumprindo os ideais do Estado Democrático de Direito e os princípios penais fundamentais.
Todavia, por mais que o discurso legitimador seja pautado no processo de ressocializar, existe um propósito escuso com objetivo de garantir e preservar interesses da sociedade capitalista, uma classe elitizada para dominar o poder político, econômico e a desigualdade social.
As medidas ditas como simbólicas podem ser consideradas como uma crescente de normas secundárias de penas (tipos penais), a atenuação ou prolongamento do Direito Penal relacionadas a áreas ambientais, econômicas etc.
Nesse contexto, de um modo obscuro o Direito Penal pode ser visto como “instrumento demagógico”, em que leis mais pesadas são aprovadas, mas na sua aplicação prática não funcionam como deveriam, pois o sistema penal não tem capacidade de tratar com eficiência o aumento da criminalidade.
No tocante sobre o simbolismo penal Zaffaroni (2006), diz que:
“É lógico que a pena, ainda que cumpra em relação aos fatos uma função preventiva especial, sempre cumprirá também uma função simbólica. No entanto, quando só cumpre esta última, será irracional e antijurídica, porque se vale de um homem como instrumento para a sua simbolização, o usa como um meio e não como um fim em si, “coisifica” um homem, ou, por outras palavras, desconhece-lhe abertamente o caráter de pessoa, com o que viola o princípio fundamental em que se assentam os Direitos Humanos (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2006).
Em grande parte, esse simbolismo é utilizado como um discurso dado ao oportunismo. Como exemplo, uma “falsa realidade de segurança”, a qual pode ser vista em ações em que o exército é chamado para atuar de modo “inapropriado” e mas que na visão da classe alta, vislumbra uma sociedade segura, mas que para as minorias do país esse fato não traz a segurança real necessária. pois não se está protegendo os vulneráveis, vê-se aqui uma publicidade disfarçada.
Voltando para o contexto, da Lei Maria da Penha ou relações homoafetivas, mostra que a pena de prisão não irá solucionar o problema raiz, pois são questões que vão além dos aspectos penais e devem estar pautados em questões assistenciais, o agressor também precisa de amparo, para que possa voltar a viver em sociedade sem cometer os mesmos atos errôneos, terapias, tratamento psicológico, para alcoolismo ou drogas ser tratado com fins dignos e que o ajudem de fato, existem casos em que o agressor sai mais violento da prisão.
Por fim, é possível compreender que simbolismo integra ao Direito Penal características que não devem ser suas e que tais funções fazem com que a norma penal perca sua legitimidade, ressalta a ineficiência no Direito Penal, a violência contra mulher, familiar ou de gênero são, primeiramente, problemas sociais e a legislação para tal deveria tratá-la de modo a prevenir essas questões, mas não dentro esfera penal.
Texto desenvolvido por Alessandra Klein, Nicoly Dominiqui e Vitor Lima
Referências
BAZO, Andressa Loli. A nova esquerda punitiva. Revista Liberdades. IBCCRIM. Ed. nº 22, maio/agosto de 2016.
CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: necessidade de um novo giro paradigmático. Rev. bras. segur. pública | São Paulo v. 11, n. 1, 10-22, Fev/Mar 2017
GONÇALVES, Vanessa Chiari. Violência contra a mulher – Contribuições da vitimologia. Sistema Penal & Violência. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito. Porto Alegre-RS, Vol. 8, nº. 1, p. 38-52, janeiro/junho, 2016.
LARRAURI, Elena. Control informal: las penas de las mujeres. In: LARRAURI, Elena (Comp.). Mujeres, derecho penal y criminologia. Madrid: Siglo Veintiuno Editores, 1994.
MELLO, Marilia Montenegro Pessoa. A Lei Maria da Penha e a força simbólica da “Nova Criminalização” da violência doméstica contra a mulher. Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI, Fortaleza – CE, junho de 2010.
ROSA, Bruna Melgarejo. A expansão punitivista: disciplina, controle e encarceramento. Disponível em < https://canalcienciascriminais.com.br/a-expansao-punitivista-disciplina-controle-e-encarceramento/ >. Acesso em: 26 nov. 2021
SOUTO, Luiza. País tem um estupro a cada 8 minutos, diz anuário de segurança pública. Disponível em <https://agenciapatriciagalvao.org.br/violencia/ violencia-sexual/pais-tem-um-estupro-a-cada-8-minutos-diz-anuario-de-seguranca-publica/>. Acesso em: 26 nov. 2021
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume I: parte geral. 6 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.