Trans de baixa renda conseguem retificar nome sem taxas de cartório

Estimated read time 6 min read

Defensoria Pública estadual pode ser um caminho para isenção de valores

Com auxílio da DPE/SP, treze pessoas conseguiram a gratuidade de emolumentos e taxas para retificarem prenome e gênero em documentos pessoais.

Segundo o defensor Douglas Schauerhuber Nunes e a defensora Marcelli Penedo Delgado Gomes, que realizaram os atendimentos, assim que o magistrado expedir o ofício ao cartório de registro, o procedimento de retificação poderá ser iniciado de forma gratuita.

Desde 2018, a retificação no registro de nascimento deve ser facilitada a todas as pessoas transsexuais e travestis, independentemente da realização ou não da cirurgia de redesignação sexual. Por meio do julgamento da ADIn 4.275, o STF permitiu que a alteração dos registros seja feita de forma administrativa, diretamente nos cartórios, sem necessidade de um processo judicial.

Aumento de retificações

Dados da Arpem-Brasil – Associação dos Registradores de Pessoas Naturais mostram que vem crescendo a quantidade de pessoas que solicitam a alteração do registro civil diretamente nos cartórios.

Em 2018, 1.129 pessoas alteraram o nome e o gênero em seus registros. Em 2022, esse número saltou para 2.932 pessoas. Um aumento de mais de 100%.

No entanto, segundo o defensor público Danilo Martins Ortega, coordenador auxiliar do Nuddir – Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da DPE/SP, as custas do processo extrajudicial muitas vezes inviabilizam que pessoas transsexuais de baixa renda realizem o procedimento administrativo.

“A gratuidade extrajudicial às vezes conseguimos garantir mediante ofício da Defensoria Pública, mas isso varia de cartório para cartório. Por isso, muitas vezes precisamos da via judicial para garantir esse direito”, apontou.

Direito de retificação do nome e gênero diretamente em cartórios é reconhecido a pessoas trans desde 2018.(Imagem: Diego Padgurschi/Folhapress)
Liberdade e respeito

Uma das atendidas pela DPE/SP, a cabeleireira e maquiadora, Camilla Nogueira, de 55 anos, moradora da cidade de Limeira/SP, está com grandes expectativas de não mais ser constrangida por apresentar documentos que ainda levam seu antigo nome. Desde os 15 anos, Camilla abandonou o prenome masculino.

“Não vejo a hora desse dia chegar! Vai ser uma liberdade muito grande para mim. Minha vontade é sair com meu RG pendurado no pescoço, para nunca mais ser desrespeitada”, afirmou.

Camilla diz que, desde que foi permitida a retificação do nome e gênero em cartório, ela tenta juntar dinheiro para essa finalidade, porém o valor exorbitante cobrado a impedia de realizar este sonho.

“Eu pago aluguel. E o meu salão de cabeleireira diminuiu muito o movimento. O que eu ganho é para pagar as minhas despesas e nunca acaba sobrando dinheiro para fazer a troca de nome”, disse.

Luta por dignidade 

A cabeleireira também aponta que é desgastante precisar sempre brigar para poder ser minimamente respeitada e chamada por seu nome social, enquanto aguarda a retificação de seus documentos.

O nome social é a designação pela qual a pessoa transsexual ou travesti se identifica e é socialmente reconhecida. No estado de São Paulo, o decreto 55.588/10 garante o direito de travestis e transexuais serem tratadas pelo nome social em todos os órgãos públicos estaduais. Ao nível Federal, a mesma regra foi assegurada, desde 2016, pelo decreto 8.727.

Apesar das normativas, Camilla relata os constantes desrespeitos que sofre para que ao menos esse direito lhe seja reconhecido.

“Esses dias precisei buscar ajuda médica num posto de saúde. Eu pedi para ser chamada por Camilla, que é como sou conhecida, mas na ficha tinha também o nome masculino, e o médico me chamou por este nome. Eu fiquei muito constrangida, comentei com ele, e ele sequer pediu desculpa. Na consulta de retorno, eu ameacei abrir um boletim de ocorrência caso não fosse tratada pelo nome social, e aí então me chamaram da forma correta. Mas é desgastante a gente precisar brigar toda vez, para ter o mínimo de respeito”, relatou.

Por esses motivos, realizar a troca de nome e gênero nos documentos pessoais é um marco na vida das pessoas transsexuais. Não é apenas algo burocrático, é a afirmação de sua identidade e a validação de sua existência e a garantia de respeito.

“A retificação dos documentos para as pessoas trans é um reconhecimento oficial à identidade de gênero. É um passo muito importante na concretização do princípio da dignidade humana”, aponta o defensor Danilo Martins Ortega.

Passo a passo 

Segundo a DPE/SP, para retificar nome e gênero diretamente nos cartórios, são necessários os seguintes documentos:

Certidão de nascimento emitida há menos de um ano;
Cópia simples de RG e CPF;
Comprovante de residência, preferencialmente, no nome da pessoa. Se não estiver, é possível a assinatura de uma declaração de residência, no cartório.
Título de eleitor;
Certidão de casamento emitida há menos de 30 dias.
E as seguintes certidões:

Eleitorais

Certidão de quitação eleitoral;
Certidão de crimes eleitorais.
Estaduais (solicitadas nos tribunais de Justiça de cada Estado):

Certidão do distribuidor cível;
Certidão do distribuidor de ações criminais;
Certidão de execução criminal;
Federais (solicitadas nos tribunais Federais de cada região):

Certidões de distribuição com abrangência da Justiça Federal em 1º grau;
Certidões de distribuição com abrangência regional.
Trabalhistas:

Certidão de ações trabalhistas (pode ser obtida no respectivo TRT).
Certidão de débitos trabalhistas;
Justiça Militar:

Certidão de ações criminais da Justiça Militar da União;
Certidão de antecedentes criminais militares (pode ser obtida na Justiça Militar de cada Estado).
Certidão de protesto: obtida de forma presencial em qualquer cartório de protesto. Em SP pode ser emitida pelo site. É a única certidão paga. Se o interessado não tiver condições de arcar com o custo, deve procurar a Defensoria Pública de seu Estado.

Com a documentação em mãos, o/a interessado/a poderá pedir a retificação em qualquer cartório de registro, mas o processo administrativo irá tramitar naquele em que a pessoa foi originariamente registrada.

São cobradas as taxas e emolumentos Se não for possível custeá-los, a Defensoria Pública Estadual pode ser acionada.

Após a alteração do registro, é necessário buscar órgãos públicos para atualização cadastral.

Fonte: Migalhas